domingo, 28 de dezembro de 2008

O PÁSSARO SOLITÁRIO


Do alto da torre antiga,
ó pássaro solitário, para o campo
voas cantando até que o dia morre;
E a harmonia erra por este vale.
Em torno a primavera
brilha no ar e exulta pelos campos,
tanto que ao vê-la o coração se enternece.
Ouve-se o balir dos rebanhos, o mugir do gado;
alegres, as outras aves, à compita,
pelo céu livre fazem mil rodeios,
festejando o seu melhor tempo:
tu, pensativo, olhas de lado tudo;
nem companheiros, nem voos,
não te importa a alegria, evitas os folguedos.
Cantas, e assim passa
da tua vida e do ano
a mais bela flor.

Oh, como se parece
ao teu o meu viver! Divertimento e riso,
da tenra idade doce família,
e de ti, irmão da juventude, amor,
suspiro amargo dos passados dias,
não curo, não sei porquê; ou antes, deles
como que fujo para longe;
como um eremita e estranho
ao meu lugar de nascimento,
da minha vida passo a primavera.
Este dia, que já cede à noite
é costume a nossa aldeia festejá-lo.
Ouve-se pelo sereno o som dum sino,
ouve-se mesmo o troar de fuzis,
que ribombando vai de casa em casa.
Festivamente vestida,
a juventude do lugar
deixa as casas e pelas ruas se expande;
olha e é olhada, e em seu coração se alegra.

Eu, solitário, afastando-me
para este remoto lugar do campo,
todo o prazer e jogo
adio para outro tempo: e entretanto o olhar
estendido pelo ar luminoso
me fere o Sol, que entre longínquos montes,
depois do dia sereno,
ao declinar se dissipa e parece dizer
que assim desfalece a alegre juventude.

Tu, pássaro solitário, chegado ao fim
do tempo de vida que os astros te concedem
da tua existência
não te queixarás; que da natureza é fruto
cada desejo teu.
A mim, se da velhice
o aborrecido limiar evitar não consigo,
quando aos outros estes olhos já não inspirarem sentimentos
e vazio se lhes torne o mundo e o futuro
mais enfadonho e negro que o presente,
que me parecerá de tal desejo?
E destes anos meus? E de mim próprio?
Oh! arrepender-me-ei, e muitas vezes,
mas inconsolável, voltar-me-ei para trás!"

Giacomo Leopardi (trad de Albano Martins)

Sem comentários: